segunda-feira, 18 de junho de 2012

O Dia Sem Amanhã


Lançamento exclusivo em formato digital E-Book


de Roberto C. P. Junior




Acompanhe o desenrolar das múltiplas vivências de cativantes personagens em torno da busca por uma verdade desconhecida, desde a França do século XVII até os nossos dias. 
 
Assista ao vídeo!



segunda-feira, 11 de junho de 2012

Aprendendo com uma pequena aranha


Daniela Schmitz Wortmeyer


A pequena aranha tece, com zelo de artesã, ponto por ponto sua teia. Lança os fios translúcidos de um extremo a outro, trabalhando por horas e horas até obter um magnífico resultado. Sob a luz do sol, vislumbra-se a perfeição da obra desse minúsculo ser. Mas eis que virá o vento, a chuva ou um passante desatento, para pôr fim à completude da obra, destruindo a teia. Como reagirá, então, a aranha? Imagino que, após um tempo encolhida num canto esperando cessar a ameaça, ela reiniciará seu trabalho, reconstruindo sua teia, quantas vezes for necessário. Pois essa é a sua natureza, o seu papel no Universo, a despeito de todas as forças contrárias que possam existir.
Tenho muito a aprender observando a Natureza. Às vezes percebo que estamos cada vez mais escravos de uma mente limitada, que busca explicação racional para tudo, querendo enxergar começo-meio-e-fim em todas as coisas - como se só assim houvesse um real sentido. Nada mais acontece seguindo o fluxo natural da vida: é preciso haver resultados, previsíveis e mensuráveis, para “valer a pena” o investimento. No trabalho, nos relacionamentos, nos estudos e até mesmo nos momentos de lazer... E, no entanto, o sentimento de frustração tem crescido, em todas as esferas da existência, deixando um gosto amargo de fracasso e desilusão.
O antiquíssimo livro hindu Bhagavad-Gîtâ retrata o diálogo entre Krishna e o arqueiro Arjuna, que hesita em empreender um importante combate pelo domínio da cidade de Hastinapura. O enredo, repleto de simbolismos, pode ser associado à luta do ser humano em desenvolvimento pelo domínio de sua própria alma, à procura da conexão com o Eu real. Krishna atua como auxiliador e conselheiro, indicando ao aflito Arjuna o caminho a seguir, como nesta passagem: “Seja, pois, o motivo das tuas ações e dos teus pensamentos sempre o cumprimento do dever, e faze as tuas obras sem procurares recompensa, sem te preocupares com o teu sucesso ou insucesso, com o teu ganho ou o teu prejuízo pessoal. Não caias, porém, em ociosidade e inação, como acontece facilmente aos que perderam a ilusão de esperar uma recompensa das suas ações.”
Krishna assinala ainda as consequências de se depositar demasiada expectativa nas próprias ações: “Por muito importante que seja a tua reta ação, o primeiro lugar pertence sempre ao reto pensamento. Procura, portanto, o teu refúgio na paz e na calma do reto pensar, ó Arjuna: porque aqueles que baseiam o seu bem-estar só nas ações, com estas necessariamente perdem a felicidade e a paz, e caem na miséria e no descontentamento.”
Diante desses sábios ensinamentos, pergunto-me se não costumamos depositar o sentido da existência nos lugares errados. Consideremos que Arjuna foi aconselhado a cumprir seu dever independentemente de obter sucesso ou insucesso com isso, assim como fazia a aranha descrita no início do texto.
O dever de nossa personagem aracnídea, naturalmente, é cumprir o papel de aranha, construindo sua teia a despeito das vicissitudes encontradas ao longo da obra. Pois seu atuar de aranha possui uma finalidade que transcende resultados imediatos, contribuindo para o equilíbrio do ecossistema global. No livro Os Primeiros Seres Humanos, a escritora Roselis von Sass destaca que: “Cada animal, até mesmo o ínfimo inseto, tem sua razão de ser no mundo! Todos eles contribuem, com sua espécie, para que o equilíbrio na natureza nunca seja perturbado!”
Mas, se é relativamente evidente a finalidade da existência de plantas ou animais, o mesmo não se verifica em relação ao ser humano... Qual seria a verdadeira finalidade da existência humana? Qual “dever” teria o ser humano a cumprir a fim de alcançar a paz interior, ainda que não encontre recompensas imediatas por suas ações? Onde focalizar os pensamentos, para não cair ante os obstáculos inevitáveis à satisfação ilimitada dos desejos?
Apesar de todo o avanço científico e tecnológico, creio que homens e mulheres ainda não descobriram seu singular papel no equilíbrio universal. Vivemos em frenética busca de algo que nunca é alcançado, na tentativa de preencher nosso indecifrável vazio por meio de pessoas, objetos, realizações... A frustração cedo ou tarde logicamente ocorrerá, pois nos fixamos em elementos mutáveis, transitórios, impermanentes.
No mundo atual, não é óbvia a resposta à questão: haveria valores permanentes? Seria possível embasar a existência em uma dimensão ideal, que conduza o ser humano à transcendência? Para o escritor Abdruschin, na obra Na Luz da Verdade: “É dever sagrado do espírito humano pesquisar por que se encontra na Terra, ou por que motivo vive nesta Criação, à qual se encontra ligado por milhares de fios. Nenhum ser humano se tem em conta de tão insignificante, para crer que sua existência fosse sem finalidade, se ele mesmo assim não a tornasse.”
Para além de fórmulas e dogmas, penso que a tarefa de encontrar o sentido de sua existência cabe a cada ser humano individualmente: uma jornada de autoconhecimento, à procura de fios que sejam significativos para tecer a obra de sua vida. Que se conectem a uma realização profunda, inalcançável por tempestades e passantes desatentos.

“Cada ser age em conformidade com a sua natureza; também o sábio procura o que se harmoniza com a sua própria natureza, de acordo com aquilo que é o mais alto no seu caráter.”
(Bhagavad-Gîtâ)

sábado, 2 de junho de 2012

Pseudoliberdade


Sibélia Zanon


“Se a ideia da interioridade dava consistência à vida dos indivíduos no passado, hoje vivemos o instantâneo, o espetáculo.”

Mary del Priore, historiadora


Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu? O conto Branca de Neve foi publicado pela primeira vez entre 1812 e 1822, mas quem diria? O espelho continua sendo nosso personagem principal.
Fala-se muito sobre a conquista de direitos e sobre o respeito às diferenças, discute-se o feminismo e luta-se para defender o princípio de que mulheres não são mercadorias. Mas como a teoria deve ser acompanhada pela prática, que histórias as passarelas do cotidiano têm para nos contar?
A historiadora Mary del Priore, em entrevista à revista Isto É, fala sobre a mulher e sua relação com o corpo: “No decorrer deste século, a brasileira se despiu. O nu, na tevê, nas revistas e nas praias incentivou o corpo a se desvelar em público. A solução foi cobri-lo de creme, colágeno e silicone. O corpo se tornou fonte inesgotável de ansiedade e frustração. Diferentemente de nossas avós, não nos preocupamos mais em salvar nossas almas, mas em salvar nossos corpos da rejeição social. Nosso tormento não é o fogo do inferno, mas a balança e o espelho. É uma nova forma de submissão feminina. Não em relação aos pais, irmãos, maridos ou chefes, mas à mídia”.
Nesta nova realidade é o corpo que diz quem somos em detrimento das ideias. Além de reforçar a armadilha do julgamento pela imagem, a nova submissão acentua o estereótipo da mulher brasileira fácil e sensual mundo afora.
A filósofa Marcia Tiburi, em entrevista ao Portal Aprendiz, argumenta: “Talvez a educação, no ponto onde ela possa discutir a questão de gênero, devesse ajudar as mulheres a pensarem no porquê e como elas se tornaram aquilo que são hoje. Isso é uma pergunta urgente: o que está acontecendo com as mulheres hoje. Você as vê desesperadas por procedimentos estéticos, roupas, hormônios, ginástica. Por que esse desespero feminino? O que vai nos faltar sem tudo isso?”
O que vai nos faltar? Sem a ênfase no lado de fora, restaria fazer um lifting no lado de dentro. Fala-se exaustivamente sobre a liberdade feminina e a liberdade de preconceitos. Mas nas passarelas da nossa realidade, essas são pseudoliberdades, bandeiras levantadas por princesas românticas ou por rainhas malvadas: Espelho, espelho meu...
Filósofos, historiadores, sociólogos, psicanalistas avisam já há um bom tempo: a mídia e o marketing guiam a humanidade. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, no livro Amor Líquido, é provocativo, ao mostrar que as parcerias seguem nesta mesma direção, obedecendo sobretudo às regras do consumismo e abandonando os princípios do amor.
 “Guiada pelo impulso, a parceria segue o padrão do shopping e não exige mais que as habilidades de um consumidor médio, moderadamente experiente. Tal como outros bens de consumo, ela deve ser consumida instantaneamente e usada uma só vez, ‘sem preconceito’. É, antes de mais nada, eminentemente descartável.
Consideradas defeituosas ou não ‘plenamente satisfatórias’, as mercadorias podem ser trocadas por outras, as quais se espera que agradem mais, mesmo que não haja um serviço de atendimento ao cliente e que a transação não inclua a garantia de devolução do dinheiro.”
A nova submissão ao espelho contribui com a superficialidade das relações, que, por sua vez, intensifica a sensação de solidão.
Erich Fromm, psicanalista alemão, conta no livro A arte de amar que, movidos pelo propósito de afastar a solidão, buscamos a sensação de pertencer ao rebanho. “Se sou como todos os outros, se não tenho sentimentos ou pensamentos que me tornam diferente, se me conformo em matéria de usos, roupas, ideias, ao modelo do grupo, então estou salvo – salvo da terrível experiência da solidão”.
A história nos mostra que a conformidade sempre foi desejada: “Os sistemas ditatoriais usam a ameaça e o terror para induzir a essa conformidade; os países democráticos, a sugestão e a propaganda”, continua Fromm.
Se deixo de ser só ao me igualar aos outros e uso como base para essa igualdade a mídia e a televisão, resta ainda a pergunta: O que vemos na televisão? Um perigoso analfabetismo visual que, aliado à necessidade de conformismo, mata o questionamento, o senso de beleza, a percepção sobre o próprio corpo. A reprodução automática do que se vê nas telas aniquila, por fim, a capacidade de se espantar com a realidade. Passamos a gastar nossos salários para contentar espelhos mentirosos.
Que liberdade buscamos? A liberdade de pertencer ao rebanho? Que tipo de amor se atrai com a estratégia do culto à imagem? Um amor que cuida e aquece ou um pseudoamor descartável e utilitário? Provavelmente apenas mais uma relação-produto para ser descartada rapidamente. E agora?