terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sagrada Pausa


Daniela Schmitz Wortmeyer

Formigas atarefadas carregando pedaços de folhas e outras preciosidades para dentro do ninho, sempre com pressa, sem parar, olhando para frente e para baixo, sem consciência do imenso céu sobre suas cabeças minúsculas...  Quando a jornada finda, elas finalmente se estiram para descansar os corpos esgotados, ou procuram alguma diversão para livrar a mente das preocupações cotidianas... E então recomeçam a carregar suas folhinhas, sempre com pressa, ansiando pela chegada do próximo fim de semana, quando enfim poderão descansar e se divertir...


Será que é assim que seríamos percebidos por um visitante do espaço, a nos observar do alto da atmosfera terrestre? Como formigas que caminham de um lado para outro, sem tempo de olhar para os lados, para cima ou para a linha do horizonte?
Principalmente nas cidades, mas não apenas, entramos em um ritmo tão acelerado e mecânico de vida, que tendemos a focar nossa visão quase sempre em um plano material, imediato, pensando somente nos próximos itens da agenda a serem cumpridos. Nas raras pausas dessa rotina, temos por vezes outra agenda a ser cumprida, a dos compromissos pessoais e sociais, que da mesma forma não nos permitem parar...
Por mais estimulantes ou bem-intencionadas que possam ser essas atividades, tem-se como resultado final um instrumento ininterruptamente tocado, sem nenhuma pausa, sem silêncios. A obra produzida é uma composição imperfeita, desarmoniosa, que não pode produzir de fato a elevação do espírito. Pois não há espaço para assimilação do vivenciado, para a construção de sentido, gerando perturbação e confusão.
Assim como ocorre na música, cujo ritmo é ditado pelos silêncios, em nossa existência também necessitamos de paradas. O intervalo entre uma respiração e outra, a ausência de movimento corporal, o relaxamento da mente, proporcionam abertura para intuições mais elevadas.


No livro Os Dez Mandamentos e o Pai Nosso, Abdruschin explica o significado do Terceiro Mandamento: “Santificarás o dia de descanso! Tu! Está claramente implícito nas palavras que tu deverás tornar solene o dia de descanso, tu deverás santificá-lo para ti! Dia de descanso é hora de descanso; portanto, quando repousas do trabalho que teu caminho na Terra te impõe. Não consagras, porém, a hora de descanso, o dia de repouso, se só queres cuidar de teu corpo. Também não o fazes se apenas procuras divertimento em jogos, bebidas ou na dança. A hora de descanso deverá levar-te à meditação interior, fazer com que reflitas sobre tua existência terrena de até então, principalmente, porém, sobre os dias de trabalho da semana finda, tirando disso conclusões proveitosas para o teu futuro.”
Desse modo, o dia de descanso pode ser uma sagrada hora de reflexão, de busca de uma visão abrangente da vida, para além do imediatismo das preocupações corriqueiras. Um momento de interiorização, em que naturalmente entramos em contato com nossos valores mais profundos, analisando o que pode ser aperfeiçoado na caminhada diária.
“Cada dia de descanso tornar-se-á assim um marco no teu caminho, que, agindo retroativamente, dará também a teus dias de atividade material aquele valor que devem ter para o amadurecimento da tua alma. Então não terão sido vividos em vão e progredirás constantemente. Santificar quer dizer não desperdiçar.”, opina novamente Abdruschin.
Se tivéssemos real noção da importância desses momentos para nossa saúde psicológica e espiritual, eles estariam na lista dos compromissos prioritários da semana, como uma reunião inadiável conosco mesmos. Pois de que adianta andar e andar, fazer e fazer, cumprir e cumprir, se não provemos também alimento para nossa essência, urdindo um sentido para a existência?
Porém, Abdruschin adverte: “Ninguém santifica uma hora de descanso com visitas às igrejas, se concomitantemente não se dispuser a refletir em seu tempo de repouso sobre aquilo que lá ouviu, a fim de assimilá-lo corretamente e viver de acordo. O sacerdote não poderá santificar-te o teu dia se tu próprio não o fizeres, por vontade própria. Pondera sempre se o sentido verdadeiro das palavras de Deus concorda integralmente com teu modo de agir.”
O caráter sagrado de uma pausa é dado pela disposição interior de cada um, mais do que pelos aspectos externos. Cada pessoa pode encontrar sua própria maneira de vivenciar momentos de introspecção, em que resolutamente coloca de lado os assuntos cotidianos, procurando elevar seus pensamentos. Abdruschin sugere: “Santificai, por isso, o dia de descanso! Seja em vossa casa ou, melhor ainda, em contato com a natureza, que vos auxilia a despertar no pensar e no intuir!”



Se nos permitíssemos apenas parar para contemplar o céu azul, a chuva que cai, o balançar das folhas das árvores, para procurar a lua e as estrelas ao final do dia... Quantas profundas intuições poderiam ser despertadas por esse simples gesto! Talvez as formigas começassem a sonhar com tantos e maravilhosos e imensuráveis mundos, que descobririam – quem sabe – um sentido sagrado para seus passinhos diários.