terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Colmeia da vida


     Sibélia Zanon




     Há locais onde não existem mais abelhas. Em algumas cidades da China, pessoas são contratadas para “fazer a polinização” com o auxílio de um tipo de esponja grudada a uma haste, algo parecido com um cotonete grande. Em outras regiões, em que a monocultura impera, é preciso “contratar” abelhas. Como elas não conseguiriam sobreviver ao longo do ano na região pela falta de alimento, são levadas em caixas para a plantação durante a florada específica e retiradas imediatamente de lá quando as flores fenecem.
No livro A Vida das Abelhas, o escritor belga Maurice Maeterlinck alertou em 1901 que, se as abelhas morressem, a humanidade morreria quatro anos depois. Cerca de um terço das frutas e legumes que fazem parte da alimentação humana dependem da polinização para serem produzidos. No documentário
suíço Mais que Mel, o dono de
um apiário conta que, se seu avô estivesse vivo, ele iria embora de
sua propriedade ao ver como as abelhas são criadas atualmente.
“Ele pensaria: ‘Você perdeu a alma’.”
O avô do criador de abelhas teria razão. As abelhas são uma amostra e também um reflexo do que está ocorrendo em muitas áreas da produção de bens e de alimentos. É como se grande parte daquilo que está à venda já viesse estampada com um selo. O selo da insensibilidade.
Conta a mitologia grega que Midas, rei da Frígia, após cuidar do pai de criação de Baco com grande hospitalidade por vários dias, pôde escolher uma recompensa. Midas pediu que tudo em que tocasse fosse transformado em ouro. A euforia inicial pelos novos poderes e consequente riqueza logo cedeu lugar ao desespero.
Todos os quitutes que faziam parte de seu belo banquete não podiam mais ser saboreados. O pão que levou à boca logo ganhou a consistência do ouro e até mesmo sua filha ficou reluzente após um abraço. Num momento de desespero, durante uma prece, ele conseguiu que Baco revertesse o encanto e voltou a ter uma vida normal.
Diferentemente de Midas, Tistu, protagonista do livro Tistu, O Menino do Dedo Verde, acompanhou a infância de muitos, fazendo nascer plantas e flores em tudo o que tocava. Em seus esforços, demoveu guerreiros ao tocar em canhões e fazer com que disparassem flores em lugar de bombas.
As duas histórias fazem pensar no papel que cada ser humano quer protagonizar. Por um lado, atribui-se a culpa àqueles que estão por trás de cadeias desumanas de produção. Basta usar como exemplo a criação em massa de animais para o abate. Do outro lado dessa cadeia está, porém, o consumidor. Enquanto o consumidor não buscar saber de onde vêm os alimentos que compra e como são criados ou produzidos, priorizando adquirir aqueles que resultam de uma cadeia de produção ética e saudável, nada vai mudar.
Independentemente dos aspectos filosóficos, existe ainda um muito prático, que é a saúde. A relação dos alimentos com a saúde é evidente, e um corpo saudável é um instrumento precioso para se viver bem.
É claro que a equação vai demandar tempo até resultar em equilíbrio entre os desejos do consumidor consciente e os produtos à venda, mas, quanto mais consumidores conscientes surgirem, mais produtores éticos conseguirão se erguer no mercado.

A diminuição da quantidade de abelhas, os corpos doentes, a natureza e sua força espantosa... Numa sociedade como a nossa, quantos meninos do dedo verde precisaríamos para combater a ganância de Midas? Mais do que pedir ajuda a Tistu, será que podemos buscar inspiração em sua figura e fazer uma nova aliança com a natureza? Será que podemos construir um novo tempo em que Gaia, protetora e soberana, seja reverenciada?

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