sábado, 20 de dezembro de 2014

Noite de chuva em dezembro

Daniela Schmitz Wortmeyer


Nessa noite chuvosa de dezembro, a energia elétrica parece querer falhar. Ouço os trovões cada vez mais perto e observo os clarões pela janela, que brincam de se mostrar entre as folhas das árvores. A água cai benfazeja, purificando, regando, lavando a alma e trazendo inspiração.
O mês de dezembro sempre se revestiu de um encanto especial, desde minha infância, mas hoje os sentimentos parecem tão nostálgicos, tão diferentes... Um amigo me disse que essa é a época da melancolia na cidade, que é preciso tomar cuidado com os ânimos depressivos. Interessante como coexistem movimentos aparentemente tão ambíguos: a agitação das festas de fim de ano, a correria dos preparativos e finalizações, a expectativa de férias, diversão, comidas, bebidas e encontros, e por outro lado uma teimosa sensação de isolamento, de ausência de sentido, de vazio.
Vez por outra tenho percebido essa conotação melancólica nas pessoas e em mim mesma. Parece haver uma dificuldade geral de se encantar com a vida, de sentir espontânea alegria – como era natural na infância. E o Natal parece trazer essa constatação com maior intensidade. Nessa direção, o escritor Abdruschin assinala: “Como é estranho, pois, que cada ser humano, que deseja que a festa de Natal atue de maneira excepcionalmente certa sobre ele, procure se transportar para a infância! Isto é, pois, um sinal suficientemente nítido de que ele nem é capaz de vivenciar, como adulto, a festa de Natal com a intuição! É a prova de que perdeu alguma coisa que possuía quando criança!
O que será que perdemos ao ingressar no “mundo adulto”? Nesse mundo tão cheio de compromissos e obrigações, tão preocupado com status e realizações materiais, que pouco ou nenhum espaço deixa para o lúdico, para a fruição desinteressada das alegrias da vida?
Ao rever o filme Um Bom Ano, chamou-me a atenção a fala de um personagem sobre seu sobrinho-neto, que havia mudado drasticamente sua maneira de ser, depois que cresceu e se tornou acionista da bolsa de valores. O tio-avô, um bon vivant que morava em um chateau, uma antiga propriedade vinícola no interior da França, teria dito: “Como se pode confiar num homem que não sabe apreciar os prazeres da vida?” De fato, o sobrinho-neto sequer se permitia tirar férias, para não se arriscar a ficar para trás na frenética corrida de seu ambiente de trabalho, calculando o valor das coisas (e das pessoas) exclusivamente com cifras.
Os prazeres da vida... As palavras desse personagem me remeteram para além de uma postura hedonista, pois nelas havia algo de encantamento diante da beleza de uma canção, da luz de um pôr-do-sol, do usufruto do aroma de um bom vinho, da demora no afago do olhar da pessoa amada... Um sentimento de gratidão pelas pequenas dádivas de cada dia. Ficava evidente que aquele que só se ocupava com sua sobrecarregada rotina, em busca de sucesso e dinheiro, não tinha olhos para o real valor de uma velha propriedade que transpirava poesia.
O acionista da bolsa herda o chateau de seu tio-avô, onde passava as férias de sua infância, e tenta logo convertê-lo em cifras. Mas, involuntariamente, acaba perdendo o controle da situação e mergulha em recordações, redescobrindo a si mesmo e redefinindo seu olhar sobre a vida.
Como fez inicialmente o protagonista do filme, a maioria de nós procura fugir o mais rápido possível desses momentos de nostalgia, sem imaginar que justamente ali poderiam ser encontradas pistas para resgatar a felicidade perdida... “Aquilo que na Terra se chama infantil é um ramo da atuação da pureza! Pureza no sentido mais elevado, e não apenas no sentido humano-terrenal. O ser humano que vive na irradiação da pureza divina, que concede lugar para a irradiação da pureza dentro de si, adquiriu com isso também o infantil, seja ainda na idade da infância ou já como adulto”, esclarece Abdruschin.
É uma verdadeira bênção encontrar alguém que conserva um brilho infantil no olhar, que ainda possui a capacidade de rir e conduzir com leveza as vicissitudes do dia a dia, que mostra encanto diante de uma planta ou um animal, que se alegra diante de um prato saboroso, uma música bonita ou um simples passeio no parque. Alguém que consegue enxergar as pessoas além das aparências, possuindo genuína predisposição para o bem. Cujo natural semblante é transparente, franco e generoso. Um coração puro, como se diz no senso comum.
Mas a maioria só se permite gastar tempo com coisas “sérias”, que sejam úteis e tragam vantagens palpáveis, carregando um pesado fardo a cada palmo do caminho. Como máquinas programadas para cumprir estritamente suas funções sociais, sem espaço para a alegria, a criatividade, o sonho, a reflexão... Esquecemos completamente que o alimento da alma é imaterial. E depois consideramos estranho e até “inexplicável” quando aqui e acolá desponta um vazio interior.

Quem sabe possamos aprender algo sobre a solução dos problemas da vida com as crianças, em vez de perder horas de sono cismando, como comumente fazem os adultos. Quem sabe este Natal seja uma oportunidade para resgatar um pouco do encanto perdido. Não com devaneios sobre a festa (ou a vida) ideal, mas cultivando uma serena abertura para o “clima” dessa época especial, vivenciando-a com gratidão. Como uma noite com chuva batendo na janela, que lava feridas e inspira a reflexão: um presente descendo do Céu...