terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Lição de astronauta

Sibélia Zanon

Em 1972, a tripulação da missão Apollo 17, a caminho da Lua, tirou uma foto da Terra. A imagem, amplamente divulgada, foi a primeira fotografia nítida do planeta iluminado. Astronautas costumam dizer que ver a Terra, pelo lado de fora, é algo de grande impacto. Com suas cores e seu constante movimento, a Terra é um convite à introspecção quando vista do espaço. Dificilmente alguém que vive essa experiência volta para casa da mesma maneira, pois o cenário, de uma beleza arrebatadora, intensifica a capacidade de apreciar.
Apreciar... A Terra, organismo vivo e frágil, reúne as condições exatas para abrigar a vida humana. Maior proximidade ou distância do Sol fariam o seu clima escaldante ou congelante. O seu campo magnético trabalha como um escudo protetor contra as irradiações agressivas do espaço e do Sol. Em proporção exata, a atmosfera da Terra contém os gases essenciais à vida e equilibra a temperatura, criando uma variação climática pequena entre o dia e a noite. A água e o solo aqui existentes têm as características necessárias para possibilitar a produção de alimentos. Como não apreciar uma obra tão perfeita, majestosa e delicada, que acolhe a vida como um grande útero?

A natureza inteira sustenta-se na exatidão. As leis da física, da química, da biologia são leis da natureza que demonstram sua coerência nos aspectos mais cotidianos. É como se essas leis regulassem o coração que bombeia vida para dentro desse imenso organismo que nos protege.
E se trouxermos essas leis para as nossas vidas? “Tudo o que nos permite viver, o ar, a água, nossos alimentos, os aparelhos e máquinas que nos dão conforto, enfim tudo é obtido com base em leis da natureza que o ser humano vem ‘descobrindo’ ao longo dos milênios”, acrescenta Fernando José Marques. Será que a coerência que testemunhamos ao redor não estaria ainda mais perto, perpassando todo o nosso caminhar e os frutos que saboreamos? Como imaginar a vida humana caminhando ao acaso, se tudo o que nos cerca é testemunho de máxima exatidão e lógica?
Talvez não seja necessário ir até o espaço para confirmar a perfeição arrebatadora, mas abrir uma brecha para observar o que nos cerca. Na medida em que constatamos a coerência das leis naturais, que obrigam à regularidade dos fenômenos, além de apreciar, passamos a confiar. Confiar na condução coerente que permeia as engrenagens da vida.
Quando isso se dá, em vez de adotarmos uma postura defensiva em relação ao que nos acontece, buscamos entender a conjuntura do presente e vivenciar a situação, podendo avançar desse estágio para um próximo. Confiar numa força maior, que nos protege do acaso, é parte do processo incentivador das coisas boas e poderosas, fonte de paz e de fortalecimento, um convite para vivenciarmos a grandiosidade do agora, seja no espaço ou aqui mesmo, neste chão que temos como lar.

Confiança

Sibélia Zanon


Desde pequenos aprendemos lições com a natureza. Experiências simples nos mostram uma condução das coisas grandes, que foge ao alcance das mãos. Um sistema amplo e integrado, de engrenagens perfeitas, que responde de acordo com a nossa ação. Se regarmos a semente, ela vai nascer. Se o grão era de milho, algodão não vai crescer. Seria possível transferir o que visualizamos na natureza para a sementeira das nossas vidas e confiar na lógica que existe nisso tudo?

“Quem semeia vento, diz a razão,
Colhe sempre tempestade.”
Tom Jobim e Vinicius de Moraes


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Uma pausa para trocar os sapatos


Sibélia Zanon


“Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva. 
Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. 
É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares!”
Cecília Meireles

Listas que morrem com o ano velho, listas que nascem no ano novo. Em todo início de ano eu gostava de fazer a lista das coisas que gostaria de realizar no ano que começava. Nunca comi lentilhas ou pulei ondas, mas sempre gostei das listas. Elas me ajudavam a organizar as expectativas, os sentimentos, os propósitos.
 Eram também
 uma forma de 
fazer um balanço do ano, 
pois na medida 
em que eu rascunhava
 escolhas para o futuro, analisava como estava o caminhar no presente e no passado.
As listas ensinam sobre as escolhas. É preciso escolher coisas para colocar na lista, é preciso abdicar de outras. É preciso vivenciar a lista ao longo do ano para entender sobre expectativa versus realidade.
Somos, aparentemente, bem intencionados a cada começo e a cada fim. Mas o que acontece no meio? Além da nobreza ou não dos objetivos listados, a forma de chegar a eles tem sido boa? Temos feito paradas estratégicas, ao longo do ano, da semana, do dia, para avaliar os caminhos percorridos?
Refletir sobre as escolhas feitas ao longo de um determinado período é uma forma de repensar o caminhar. E avaliar o caminhar permite que tomemos novas decisões, que façamos escolhas mais conscientes para os próximos passos: o caminho é pedregoso e precisamos trocar os sapatos? É possível seguir outra direção e chegar a um novo lugar?



Quando não há paradas pelo trajeto, a fim de repensar os passos, corremos o risco de seguir em frente sem olhar para o chão e tropeçamos, assim, numa pedra qualquer. Ou, ainda, arriscamos seguir em frente sem olhar o céu e, distraidamente, perdemos a referência dos pontos cardeais.
Passei os últimos anos sem fazer listas. Ainda não sei bem por quê. Talvez algumas ilusões tenham falecido. Talvez as coisas sejam mais complexas e não adianta fazer uma lista tão organizada quando a vida é tão mutante. De qualquer maneira, com ou sem listas, é preciso entender que não se pode calçar a luva e colocar o anel ao mesmo tempo. É preciso fazer escolhas, refletir sobre elas e ter, assim, a chance de se reorientar e escolher de novo. Com menos ilusões, com mais confiança.