quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Um sopro de vida nos rituais

Sibélia Zanon


Desde que me lembro de mim, em cada dia de aniversário, uma das primeiras coisas que via era minha mãe me desejando um feliz renascimento em frente a uma vela acesa. Mais do que uma vela, aquele ritual abrigava o agradecimento por mais um ano, simbolizava um brinde pela vida. Lembrava da chance que foi ter nascido e de como, mais uma vez, mais um ano havia sido experimentado e um novo capítulo da minha história poderia ser construído dentro de possibilidades e potencialidades ainda a descobrir.
Um ano novo se abria como uma caixa de surpresas, uma caixa de incógnitas, uma caixa de oportunidades... um combinado de desafios. Hoje não moro mais com meus pais, mas nos meus aniversários continua existindo uma vela acesa na minha casa, como uma chama de prece para que eu possa me irmanar com o sentido de uma vida bem usufruída.
Imagino que cada um tem em sua história um ou outro ritual que, vez por outra, é alimentado ou guardado com calor em um espaço afetivo da memória. Penso que os rituais têm importância na medida em que simbolizam a sede interior de sorver um líquido ou uma essência pura da vida. Servem para dar vazão ao que pulsa no interior de cada um e não pode ficar retido lá dentro, precisando ganhar uma expressão física, transformar-se em algo que se possa ver, fazer, pegar e são, por isso, materializados por meio de um ímpeto grande que impulsiona de dentro para fora. Assim, poderia, por exemplo, ser acesa uma vela numa árvore de Natal, como expressão de algo grande que se sente interiormente.


Tradições, rituais e até mesmo certos ritos de passagem parecem ganhar força ao final de cada ano. Contudo, na medida em que são, muitas vezes, esvaziados de suas verdades simbólicas e passam a ser ações mecânicas ou meras obrigações, o valor de cada ritual torna-se questionável porque o que não tem verdade carece daquela força do impulso interior, carece da força da semente e é, por isso, um broto murcho, uma vela que não consegue se manter acesa, suscetível à sutileza de uma frágil corrente de ar.
Mais do que mesas fartas ou presentes, penso que a beleza do final do ano estaria no resgate da autenticidade de cada ação, trazendo a todo e qualquer ritual o valor que possa preenchê-lo de vida. Assim, seriam renovados o Natal e o Ano Novo, não com a euforia dos maiores fogos de artifício, mas com a força do querer interior, pulsando na sintonia do rito de passagem, na sintonia de uma nova oportunidade, na sintonia de uma história que não vai mudar completamente por conta do calendário, mas poderá ter alterações pela força de cada ação.

“A árvore de Natal com as velas acesas surgiu somente por volta do ano 1600 na Alemanha. Utilizavam-se pequenos buxos em cujas pontas se colocavam velas. As pequenas árvores de buxos, enfeitadas apenas com velas, significavam simbolicamente que em uma Noite Sagrada viera a Luz para a Terra... Mais tarde se utilizaram de árvores maiores, tipo pinheiro, com a mesma finalidade. Contudo, durante longo tempo as velas continuaram como único enfeite das ‘árvores de Natal’.
Nas árvores de Natal excessivamente enfeitadas de hoje, já nada mais indica que numa noite se acendera uma Luz na Terra através do nascimento de Jesus.”


Fotos: Gilberto Zanon