terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Natal


Texto de Abdruschin, traduzido do original alemão "Weinachten", publicado no periódico "Der Ruf" - cadernos 5, 6, 7 -, em 1927.


Sagrada é a lembrança desse dia, pois grandioso foi o momento em que outrora o Filho de Deus chegou a esta Terra. Incomensurável para a humanidade e a Criação inteira. Um jubilar perpassou todas as esferas, porque foi a aurora da libertação espiritual do aprisionamento das trevas.
Devido a essa sublime alegria, em cada novo dia comemorativo do maravilhoso acontecimento os seres humanos se felicitavam, distribuindo presentes, a fim de também despertar alegria nos outros. Assim foi o começo! Hoje, porém, essa festa, na maioria dos casos, serve apenas como oportunidade para um presentear mútuo. Todos os sentidos estão sintonizados exclusivamente nisso, semanas seguidas. Mais profundamente o acontecimento não penetra nos seres humanos. É denominada pelas famílias, quando muito, uma festa para crianças, enquanto os pais se colocam ao lado da árvore enfeitada, recordando-se de seu tempo de criança!
Quem é que ainda pensa no verdadeiro sentido dessa festa, na profunda seriedade que deu motivo a essa festa. Quem aceita a dádiva, que lhe foi trazida pelo Salvador, aprumando-se debaixo da árvore iluminada, com o firme propósito de viver, no futuro, de acordo com essa Verdade, a fim de que também para ele a aurora da liberdade espiritual possa brilhar! Procurai isso, de casa em casa, de localidade em localidade. Cairíeis fatigados, sem ter encontrado uma só pessoa, cujo sentimento interior se lembrasse disso na alegria da festa.
Esse erro não deveis cometer, mas sim tomar um impulso a fim de, pouco a pouco, tornar viva em vós a Verdade, por cuja causa Cristo veio ao mundo. Deveis lutar pela liberdade do espírito, isto é: o desligamento de todo o fardo escuro! Mas isso somente podereis conseguir, se vos sintonizardes naquela imensa Vontade que mantém a Criação!
Sentir essa Vontade do vosso Criador, a fim de acompanhá-Lo, é a suprema arte de viver, pois traz consigo o grande servir, que na realidade se torna um reinar, porque através da sintonização correta todas as forças também seguem convosco, nunca podendo estar contra vós! Então nenhuma dor, nenhum mal vos atingirá, e, jubilando, seguireis o caminho que terá de conduzir-vos ao Reino do Pai.


Noite Sagrada


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Colher experiências




Quando pequena eu gostava de colecionar sementes que achava no quintal. Chamava-as de nenéns e cuidava delas como se cuida de gente pequena. Olhava uma a uma e juntava-as num saquinho de pano ou nos bolsos da calça fofa de veludo. 
Colecionar experiências é tarefa exigente. Depende da intensidade ou atenção com que vivemos o presente e nele nos movimentamos. Depende da abertura que desenvolvemos para aproveitar toda a potencialidade daquilo que nos acontece. Depende, ainda, do poder de maravilhar-se com o ordinário no cotidiano.
Assim, muitas vezes, uma vivência pode ser despertada por uma observação atenta da natureza e até mesmo por meio de um filme, um livro, uma notícia, uma música e não apenas por aquilo que nos atinge de forma intensa, sejam insucessos ou felicidades.
Contudo, para conseguir extrair das experiências o significado é preciso movimentar-se. Isso não significa, necessariamente, buscar experiências extraordinárias, mas ter o eu aberto e atento ao presente e a todos os pequenos e grandes acontecimentos, refletindo sobre as ações individuais e coletivas, suas motivações, consequências e significados. Com o olhar alerta, podemos ir colecionando aquelas sementes do cotidiano, que guardam em si o potencial de brotar vivências significativas dentro de cada um.



 Jesus Ensina as Leis da Criação

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Pensamentos de chuva

Sibélia Zanon


“Gosto de dirigir em dias de chuva”, disse uma vez um amigo, ao contar que não tem tempo de parar para ficar olhando a chuva e, por isso, aproveita para admirá-la quando precisa dirigir nos dias chuvosos.
O ponto de vista curioso 
e original dele me fez pensar 
na minha relação com a chuva. Lembrei-me de uma tarde de verão, em que meu marido e eu fomos surpreendidos por um temporal no quintal de casa e corremos para o terraço. Ficamos ali abrigados, olhando o espetáculo da chuva como quem assiste a uma peça teatral.
Sentindo o vento forte, ele comentou que os pássaros respeitam a chuva e foi aí que fomos acometidos por uma porção de curiosidades de criança: “Qual seria o ponto de vista do pássaro sobre a chuva? Onde os pássaros se escondem? Eles têm suas casas protegidas nas árvores, mas há árvores que balançam tanto com a chuva...” A natureza pinica perguntas na nossa cabeça, assim como as gotas fortes de chuva fazem na nossa pele.
Os pássaros respeitam o vento e a chuva. Se o temporal vai ser forte, eles percebem antes de qualquer humano e partem para um local seguro.
Eles respeitam a natureza, entendendo que há coisas mais fortes do que suas asas. E nós? Sabemos nos curvar à chuva? À natureza? Ao que a vida nos traz ou nos propõe? Ou insistimos em voar, estabanados, correndo riscos, asas molhadas e empurradas pelo vento? Destemidos ou desrespeitosos?
Naquela tarde, quando a chuva decidiu ficar mansa, o mundo ao redor foi mudando. A voz do trovão se calou e os pássaros recuperaram a melodia, como se uma felicidade esquecida desabrochasse. Uma alegria pelo poder das asas, que ganhavam leveza de novo, uma alegria pelo frescor das plantas que abrigavam água de beber. As bromélias eram um cálice e as poças d’água uma banheira.

Talvez a vida pudesse ter mais desse frescor se aprendêssemos com os pássaros o respeito pela chuva e por tantas outras forças da natureza. Eles continuam com o poder do voo porque sabem aguardar a hora de voar, sabem recuar, sabem dialogar com outras forças. E nós? Como estamos dialogando com a chuva?


“Eu queria usar palavras de ave para escrever.”
Manoel de Barros