quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Pensamentos de chuva

Sibélia Zanon


“Gosto de dirigir em dias de chuva”, disse uma vez um amigo, ao contar que não tem tempo de parar para ficar olhando a chuva e, por isso, aproveita para admirá-la quando precisa dirigir nos dias chuvosos.
O ponto de vista curioso 
e original dele me fez pensar 
na minha relação com a chuva. Lembrei-me de uma tarde de verão, em que meu marido e eu fomos surpreendidos por um temporal no quintal de casa e corremos para o terraço. Ficamos ali abrigados, olhando o espetáculo da chuva como quem assiste a uma peça teatral.
Sentindo o vento forte, ele comentou que os pássaros respeitam a chuva e foi aí que fomos acometidos por uma porção de curiosidades de criança: “Qual seria o ponto de vista do pássaro sobre a chuva? Onde os pássaros se escondem? Eles têm suas casas protegidas nas árvores, mas há árvores que balançam tanto com a chuva...” A natureza pinica perguntas na nossa cabeça, assim como as gotas fortes de chuva fazem na nossa pele.
Os pássaros respeitam o vento e a chuva. Se o temporal vai ser forte, eles percebem antes de qualquer humano e partem para um local seguro.
Eles respeitam a natureza, entendendo que há coisas mais fortes do que suas asas. E nós? Sabemos nos curvar à chuva? À natureza? Ao que a vida nos traz ou nos propõe? Ou insistimos em voar, estabanados, correndo riscos, asas molhadas e empurradas pelo vento? Destemidos ou desrespeitosos?
Naquela tarde, quando a chuva decidiu ficar mansa, o mundo ao redor foi mudando. A voz do trovão se calou e os pássaros recuperaram a melodia, como se uma felicidade esquecida desabrochasse. Uma alegria pelo poder das asas, que ganhavam leveza de novo, uma alegria pelo frescor das plantas que abrigavam água de beber. As bromélias eram um cálice e as poças d’água uma banheira.

Talvez a vida pudesse ter mais desse frescor se aprendêssemos com os pássaros o respeito pela chuva e por tantas outras forças da natureza. Eles continuam com o poder do voo porque sabem aguardar a hora de voar, sabem recuar, sabem dialogar com outras forças. E nós? Como estamos dialogando com a chuva?


“Eu queria usar palavras de ave para escrever.”
Manoel de Barros