Sibélia Zanon
Biltis, a rainha
de Sabá, levanta um enigma: “O céu todo escureceu, por toda parte aglomeram-se
ameaçadoras nuvens de temporal. O aspecto torna-se cada vez mais sinistro… A
escuridão do céu ameaçador parece já envolver a Terra… nada mais se vê, a não
ser um tênue traço claro no horizonte…”
Ela cala por
alguns instantes e pergunta se alguém poderia esclarecer o significado do
quadro descrito.
Zadok, o rico
comerciante de azeite, manifesta-se, dizendo conhecer o significado. “Eu
imaginei a vida como um céu escuro e ameaçador. Apenas o traço claro... o traço
claro no horizonte impede que a criatura afunde no medo e horror… Por isso
quero denominar o quadro que descreveste para nós de ‘A esperança’.” Biltis
festeja a resposta e diz haver um sábio escondido no comerciante. O trecho é do
livro Sabá, o País das Mil Fragrâncias,de Roselis von Sass.
A esperança é
algo que persiste no interior, independentemente das circunstâncias. Ela
possibilita vislumbrar um traço claro no horizonte, também nos dias nublados. O
escritor Rubem Alves sugere o seguinte contraponto: “Otimismo é quando, sendo
primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é
quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar
dentro do coração”.
Diferentemente
das expectativas, que se concentram em metas bem específicas e carregam em si a
cobrança da realização, a esperança autêntica tem alicerces na confiança e o
olhar abrangente para o que pode dar certo, mesmo quando um desejo específico
não se realiza.
É como se a
esperança se ajustasse melhor como passageira de um motorista disposto a fazer
as curvas que a estrada apresenta, do que como passageira do motorista que
exige dirigir em linha reta e, por isso, se frustra logo que a estrada
apresenta outros desenhos. O motorista que aceita as curvas como parte da
trajetória, confia no fato de que ainda é possível chegar à cidade desejada,
apesar dos caminhos não serem lineares como havia imaginado.
Há quem entenda a
esperança como algo a contemplar e aguardar, e há aqueles que entendem a
esperança com a vitalidade dos que pretendem alcançar, por si sós, o traço
claro no horizonte. Quando só há espera, a esperança perde sua potência e corre
o risco de ficar na esfera da passividade, irmã da vitimização. Ao esperar
aquilo que virá de fora, corre-se o risco de esquecer que cada um atrai para si
algo que encontra eco em seu interior, que surgiu primeiro em forma de
sintonização e busca do lado de dentro.
Por isso, há quem
aposte na esperança ativa, pautada no fato de que cada um tem responsabilidade
por aquilo que acontece na sua vida. “É preciso ter esperança, mas ter
esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo
esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é
se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não
desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para
fazer de outro modo…”, sugere o educador Paulo Freire.
É verdade que na
vida há momentos de espera, em que é preciso silenciar e respeitar o tempo das
coisas, compreendendo que nem sempre aquilo que idealizamos pode frutificar na
hora e da forma desejadas. Isso mostra que a esperança precisa ter lastro na
realidade para não ser confundida com a ilusão. E também ensina que a sensação
de impotência perante certas situações faz parte da trajetória e pode
contribuir para o aprendizado da humildade e da perseverança. Carregando em si
ensinamentos, a espera não precisa ficar adormecida. Em estado de prontidão,
ela pode estar aberta a novas oportunidades.
Sobre a esperança
ativa, fala também o educador Mário Sérgio Cortella: “Para quem não sabe para
onde vai, qualquer caminho serve. Por isso, o primeiro passo para ter uma
esperança ativa é saber para onde você quer ir e o que você quer fazer.
Segundo: colocar-se a caminho, isto é, buscar.”
E o que buscamos?
Nutrir uma esperança sempre voltada para modificações talvez não seja a melhor
perspectiva. “Quem põe suas esperanças nas modificações, não sabendo o que fazer com aquilo que foi dado, a este falta a vontade sincera, bem como a capacitação; encontra-se de antemão no terreno vacilante do aventureiro!”, escreve Abdruschin. Ao contrário, o
escritor sugere olhar para o presente e ver onde é possível fazê-lo florescer,
valorizando aquilo que se tem nas mãos e desenvolvendo habilidades antes não
imaginadas.
Assim, cuida-se
de não alimentar expectativas em relação ao que está longe, ao que é novo e àquilo
que não se tem. Essas expectativas muitas vezes seriam frustradas porque o que
está distante não se mostra necessariamente tão bonito, quando visto de perto.
A esperança com
alicerces na confiança é forte e duradoura. Quando a escuridão do céu é ameaçadora
e tem aspecto sinistro, existe o conhecimento de que as curvas da vida têm sua
razão de ser e que, por trás das nuvens, o sol espera uma brecha para entrar.